Manifesto do Bacalhau



Bacalhau. Peixe de mar longínquo, único a poder estar à mostra nas venda de mato de um “Brasil Profundo”. Terras de Mauricio Kubrusly, de Nemer, e do Frade, antes do modernismo Marilene e Mônica o prenderem a Cataguases.

  

Bacalhau, a identidade do Espaço  Saramenha Artes e Oficios inspirada no Bom Jesus do Bacalhau, povoado perdido nos confins do Itacolomi – terras vizinhas às do mestre dos presépios e das onças, Arthur Pereira - a provar que a fé de Minas não se pode comprar, muito menos está à venda.  Mas como se gasta chão pra alcançá-la!


Debaixo do barro do chão ou da terra batida da cozinha de fogão à lenha, nasce a alma do homem, nasce a alma da vida, que pode transformar o comer do feijão em um banquete. Banquete em Minas de angú, feijão e couve. E porco criado a milho. Em tempo de quaresma, do bacalhau com chuchú.


Minha casa mineira tem portas com puxadores indianos, tapetes rústicos do Irã, moedor de café russo. Tem socador de alho de Janaúba, ralador de queijo de Patos de Minas, batedeira de manteiga dos alemães do Mucuri e potes de  Saramenha; tudo entre antiguidades da Jacuba e da Mata. Casa feita em barro e taquara, tendo por ferramenta as mãos dos homens.


Em minha casa o Canastra São Roque de meia cura tem a lhe embalar o fubá de milho de minha avó Adélia, a deixar fazer debaixo da crosta amarela a transmutação do queijo em cremosa massa. Do Mercado dos Tropeiros de Diamantina vieram as sempre-vivas. De Santa Luzia vinham as lingüiças. Do Manso o Chá Edelweis.


Meus olhos percebem e minhas mãos gostariam de tocar os utensílios da casa-tenda dos nômades mongóis, que no cinema me encantam.


Brasil Profundo! Vasto mundo de Deus!


Em Santana do Araçuaí, Izabel e sua família brincam de fazer as bonecas de alegrar os olhos dos adultos, homens ou mulheres.


Carneirinhos de Adilson, onças de Guto, macacos de Tião, leões de Gervásio, porcos de Jorge, tamanduás de Waldir. Prados, Prados e mais Prados.


Padrinho, Padre Cícero, e sua pátria de Juazeiro lavrando à mão belas esculturas nos cernes das imburanas moribundas, transformadas na origem em ex-votos a agradecerem a vida severina, que a morte não levou.


Os retirantes de Vitalino, os cavalos-marinhos de Manoel Eudóxio, os pavões de Elias, todos nascidos no Alto do Moura, não vão à feira de sua cidade Caruarú, mas em Olinda enchem a casa de meu compadre Alceu. Em minha casa se integram suavemente, as curvas das montanhas mineiras.


Almerestino modela e leva de Maragojipinho para a feira de São Tiago de Água de Meninos na cidade do Salvador as saramenhas baianas. Ninguém se importa por lá. Faz parte do cotidiano da terra de Jorge Amado. Ou será da do mar de Caymmi? 


Quem em Santa Rita de Ouro Preto transporta para pedra-sabão o olhar de Nuca, com seus leões nascidos do barro da terra de Tracunhanhém? Quem na cidade de Mariana faz em madeira as santas pernambucanas de Maria Amélia?


Há que se renovar o saber fazer das mãos anônimas que modelaram os tijolos, telhas e lajotas coloniais. Há que em pigmentos naturais se fazer renascer os desenhos das saramenhas ancestrais!


Espaço Saramenha Artes e Oficios, neste Manifesto do Bacalhau decreta, transformando a saudação em ato de fundação e nome à Confraria:      


                                                        

                                                                      Viva a Pátria Brasileira!